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A SOMA DE TODOS OS MEDOS


Girando e girando no giro que se alarga

O falcão não consegue ouvir o falcoeiro;

As coisas desmoronam; o centro não pode segurar;

Mera anarquia é lançada sobre o mundo,

A maré turva de sangue é liberada e em todos os lugares

A cerimônia da inocência é afogada;

Os melhores carecem de convicção, enquanto os piores

Estão cheios de intensidade apaixonada.

O poema “The Second Coming”, do irlandês William Butler Yeats, é um dos mais estudados e citados do mundo devido às diversas interpretações que permite. Uma dessas leituras é a analogia ao fenômeno que hoje chamamos de polarização: quando duas posições antagônicas de distanciam muito uma da outra, o centro, ou o equilíbrio, deixa de existir, sobrevindo daí o caos.

O que vemos nas redes sociais hoje é um exemplo: o autor de um post qualquer, sobre um romance, por exemplo, recebe como primeiro comentário a acusação de que é comunista ou reacionário, porque o escritor do livro citado tem esta ou aquela tendência política. Os comentários seguintes desandam a falar do Bolsonaro fascista ou do Lula ladrão. O romance em si, objeto do post, fica esquecido. Um extremismo absoluto, que obscurece o objeto em discussão e impede o diálogo.

Por quê? Talvez, porque estejamos todos com medo. Muitos medos. O mundo à nossa volta está mudando em uma velocidade e amplitude estonteantes. Não há certeza que não esteja sendo hoje questionada. No campo social, a afirmação feminina, a discussão de gênero, a revolta contra o racismo, a moral cambiante, o questionamento religioso. Na economia, a revolução digital cria novos sistemas produtivos e modelos de trabalho. Na política, assoma no horizonte a decadência do império americano ante a meteórica ascensão da China. Na tecnologia, a inteligência artificial propõe nova relação entre homem e máquina. Alguns interpretam essas mudanças como oportunidades, outros as veem como ameaças.

Há incerteza no ar. Muitos se sentem sem chão. As pessoas costumam temer aquilo que não entendem. E nessa situação, se agarram àquilo que lhes dá conforto, mesmo que esse ponto de apoio não tenha bases sólidas. Como o anticientificismo, por exemplo, que se expressa no retorno da “Terra Plana” e no movimento contra as vacinas. Teorias conspiratórias são também sedutoras, porque criam “explicações” fáceis e convenientes aos seus preconceitos ou expectativas.

Enquanto o inconsciente coletivo vagueia em meio à soma de todos esses medos, as pessoas se refugiam nessas “bolhas” onde o contraditório não é bem-vindo e o questionamento é rejeitado. E como diz o poema de Yeats, os extremistas, de qualquer polaridade, exibem “intensidade apaixonada”, enquanto aqueles que se posicionam equidistantes dos radicalismos e se dispõem a questionar carecem de convicção, porque não há respostas para toda a complexidade desse novo mundo e o futuro nunca pareceu tão incerto – ou porque, talvez, lhes falte ânimo para debater diante da insensatez circundante.

O poema de Yeats termina de forma sombria. Diante do “caos” que se instaura, surge uma figura, esperada como “salvadora”, mas que é fantasmagórica, cercada por “pássaros indignados”, e cai a escuridão. O poeta parece sugerir que, sem o equilíbrio, qualquer desenlace é possível.

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