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INSPIRAÇÃO


INSPIRAÇÃO


Eu trabalhava no Diário do Grande ABC, na redação do 3º andar. Me sentava em uma mesinha pequena, logo à direita da porta de entrada, de frente para o Roberto Baraldi, nossas Remingtons verdonas (ou seriam Olivettis?) ficavam praticamente coladas uma à outra. Cobria a área sindical, envolvido até a raiz dos cabelos naquele momento em que a história do Brasil estava sendo escrita no ABC. Todo mundo se sentia muito importante. Na verdade, eu não sabia quase nada do mundo (bem, sabia bem menos do que hoje, que ainda é pouco). Não tinha certeza de que o que eu fazia era bom, não sabia se aquele era meu caminho de verdade. Um dia, sapeando pelas mesas dos colegas, trocando uma ideia aqui e outra ali, vi sobre a mesa da Malu Marcoccia, editora de economia, um exemplar novinho, “estalando”, da Gazeta Mercantil.


Jornal estranho aquele, só texto, colunas fininhas, um ou outro bico de pena do entrevistado da vez. Massudo. Mas exercia um fascínio sobre todo mundo. Era “o” grande jornal de economia, autoridade mesmo, ainda que você não entendesse um “cazzo” de economia, tinha que ajoelhar na frente dele. Bem, peguei o jornal e folheei e, de repente, parei diante de uma matéria do S. Stefani, sobre indústria automobilística. Comecei a ler e uma coisa curiosa aconteceu. Sabe aquelas situações em que você nota uma coisa que nunca tinha reparado antes e se pergunta: como é que eu nunca vi isto? Aquela matéria abriu um universo de compreensão enorme sobre o que eu percebia da produção de automóveis, do funcionamento da lógica econômica daquele setor. Me lembro, como se fosse hoje, que pensei assim: quero escrever sobre isso! Mais: quero escrever assim. Passei a ler tudo o que ele escrevia, sobre qualquer coisa.


Então o mundo girou, coisas aconteceram, mudei com a Vânia para a Europa, com a ideia de escrever sobre carros, porque havia demanda por esse tipo de material, eu escrevendo, ela fotografando, e assim vivemos sete anos por lá. Com muito “blowing in the wind” no meio do caminho, acabei escrevendo um “special report” sobre indústria automobilística da América Latina para o The Economist Intelligence Unit. Havia, então, virado um especialista no setor, não só de parafusos e gasolina, mas da “mecânica” econômica desse setor, que é fascinante. E quando voltamos para o Brasil, com meu “report” debaixo do braço e um filho pequeno no colo, eu tinha a convicção de que a abertura econômica promovida pelo Collor obrigaria a indústria automobilística local a pisar no acelerador e promover mudanças profundas. Haveria, portanto, a necessidade de uma pessoa com meu conhecimento acumulado na área nas redações (e na indústria).


Não deu outra: um dia depois de voltar, estava empregado no Estadão, com uma ajuda incrível do Nivaldo Nottoli e da Fátima Turci, para escrever sobre a indústria de carros, que havia virado, então, café da manhã, almoço e janta da minha vida. E em uma das coletivas do setor, encontrei lá, depois de muitos e muitos anos daquela “revelação” da Gazeta Mercantil, o S. Stefani. Ele era um jornalista esquisito. Sem papel e caneta, não tomava notas, ficava quieto, coçando a barba rala, com uma risadinha irônica no rosto. Deixava os outros falarem e prestava muita atenção. Então, lá no finalzinho do evento, ele dava um jeito de chegar discretamente na “fonte” e lascava duas ou três perguntas que ninguém tinha feito (ou que poderia ter imaginado). No dia seguinte, na Gazeta Mercantil, bingo: a melhor matéria do assunto estava ali, com um enfoque completamente diferente dos demais, mas com todos os essenciais dentro dela. Como assim, ele não anotava nada e lembrava das frases dos sujeitos? Nenhum evento começava sem a presença dele. “O cara da Gazeta já chegou?”, costumavam perguntar os empresários aos seus assessores. Ladies and gentlemen, isso se chama relevância!


Até que num final de tarde, fui convidado pelo meu grande amigo Vicente Alessi Filho para uma “reunião secreta”, numa casinha perto da Estação Ana Rosa do Metrô (naquele encontro, começava a nascer a revista Autodata). Cheguei com meu indefectível terninho azul e gravata estampada e tive uma surpresa: só tinha jornalista “fera” do setor automotivo lá, incluindo o S. Stefani. Dirigi-me a ele para dizer o quando eu admirava o trabalho dele quando, para minha surpresa, ele tomou a iniciativa e se aproximou, supersimpático: “Como você consegue estar ainda elegante a essa hora do dia?”. Na sequência, fez um elogio rasgado sobre minhas matérias e meu estilo, na frente de todo mundo. Senti aquele calor do orgulho e da surpresa, manja? Um daqueles momentos na carreira e na vida que a gente nunca esquece.


Pensei nisso tudo hoje de manhã porque o face me lembrou do aniversário dele, uma de minhas grandes inspirações profissionais, S. Stefani.

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